Memorias de uma filha

Bianor e Job, meus pais, foram os pilares de uma história repleta de desafios, amor e superação. Ele, um homem humilde, dedicado e apaixonado pelo conhecimento, que deixou as margens do Rio Anajás para construir uma vida de dignidade e valores em Macapá. Ela, uma mulher forte, resiliente, determinada, que enfrentou com coragem as adversidades para cuidar de sua família. Juntos, Bianor e Job transformaram dificuldades em oportunidades, com honestidade e determinação lutaram por um futuro melhor. Este relato é uma celebração à vida e ao amor que os guiou em sua jornada.

12/23/20244 min read

Querido pai, é com uma saudade profunda e com lágrimas que escrevo uma parte da sua história que jamais poderá ler, mas outras pessoas poderão conhecer sua trajetória. A jornada de um pai herói, um pai que toda menina gostaria de ter. Quero compartilhar sua história com as pessoas que tiveram a oportunidade de conviver com você e as que não tiveram possam conhecer sua caminhada. Desde que você partiu, ficou um vazio imenso em meu coração, preenchido hoje pelo Pai do céu (DEUS). Hoje, escolhi transformar o amor que pulsa dentro de mim em palavras, para eternizar sua jornada e manter viva sua memória.

Bianor da Silva Lobato, o primogênito de Raimundo Lobato e Maria Pacheco, nasceu no dia seis de outubro de 1936, as margens do Rio Anajás (município de Breves-PA). Um lugar onde o tempo flui em um ritmo mais lento, o som das águas choca-se as margens do rio e se mistura com o canto dos pássaros. Foi nesse cenário encantador que sua história começou.

Aos 19 anos saiu, junto com seus pais e irmãos, da vila onde moravam para outra cidade onde pudesse ter uma vida mais digna. Embarcaram em uma viagem sem volta para mudar sua realidade. Em uma embarcação à vela, a família chegou a Macapá, capital do Amapá, em 18 de outubro de 1955, desembarcando no igarapé das mulheres durante a madrugada, de pés descalços.

Sem certidão de nascimento, foi registrado e naturalizado amapaense, assim como todos os irmãos e, para que pudesse servir o tiro de guerra, sua idade foi alterada para 17 anos. Começou seus estudos ao lado de seus irmãos em um anexo do I.E.T.A (Instituto de Educação do Território do Amapá). Um homem apaixonado pela leitura e escrita, aprendeu a ler e a escrever aos 20 anos e seu zelo e dedicação fizeram de sua caligrafia impecável. Seus estudos foram até a quinta série, o que não o impediu de ir além. Lia tudo que tivesse acesso, amava livros. Sua leitura preferida era a Bíblia, perdi a conta de quantas vezes você a leu. Frequentava assiduamente as missas dominicais. Lembro na minha infância que você sempre nos incentivava a estudar, era a única coisa que tínhamos que fazer, pois, em suas palavras “pobre só vence na vida através do estudo e do conhecimento”.

Seu amor pela leitura era a sua habilidade mais preciosa, que desenvolveu ao longo da vida, o conhecimento e o aprendizado se tornou uma bandeira para que seus filhos tivessem mais oportunidade na vida, deu sua existência para isso, um homem honrado, leal a sua família, honesto, amável, disciplinado.

Sua jornada profissional começou de forma humilde, carregando tijolos na Olaria de Macapá. Por sua dedicação, logo foi promovido a inspetor. Com a desativação da oficina ele foi transferido para a Guarda Territorial, chegando ao cargo de escrivão da Polícia Civil, onde posteriormente se aposentou como funcionário público federal. Trabalhava incansavelmente, de dia era taxista e a noite dava plantão no Hospital Pronto Socorro como escrivão da polícia.

Sua vida, no entanto, não foi isenta de desafios, não superando suas dores, adoeceu emocionalmente. Lutou contra a depressão por anos, uma condição pouco compreendida a época, e enfrentou problemas de saúde até seu falecimento em 02 de fevereiro de 1999, aos 65 anos por complicações de uma cirurgia no pâncreas com o agravante de ser portador do diabetes

Logo encontrou o amor verdadeiro, ao lado de minha mãe, Job Medeiros Lobato, sua primeira e única namorada. meus pais se amaram a vida toda, e a morte prematura de meu pai, os separou por vinte anos, até ela ir para outro plano, outra vida para viverem juntos na eternidade, minha mãe sentia muitas saudades do meu pai. Minha mãe era uma morena linda, não andava corria pelas pontes de palafitas de um lado para outro, realizando tarefas a pedido de minha avó. Ela tinha que ser rápida (isso é uma outra história), casaram-se em 7 de outubro de 1961 tiveram 12 filhos, criaram 10 filhos, dos quais 8 nasceram em casa.

Minha mãe foi quem nos educou a mãos de ferro, rigorosa e nada amorosa. Trabalhadora tornou-se costureira para ajudar na economia da casa e poder fazer a roupa de seus filhos. Com a doença de nosso pai, precisou sair de casa e trabalhar em uma boutique. Por ser distante de casa, aos 40 anos, decidiu aprender a andar de bicicleta, para poder chegar mais rápido em casa. Mais tarde minha mãe também passou a fazer parte do quadro de funcionários da esfera federal desempenhando suas funções na imprensa oficial. Uma mulher admirável com muita determinação, coragem e resiliência. Criou todos os seus filhos e os conduziram com muita nobreza e honestidade, valor fundamental em nossa família. Meu pai sempre nos ensinou a importância de sermos transparentes em todas as nossas relações.

No período de enfermidade de meu pai, minha mãe foi grandiosa, com sua dedicação e fibra, dele cuidou com todo o seu amor, até o fim de seus dias. Parabéns, minha mãe. A vida lhe foi bastante dura e sofrida, mas isso a tornou uma mulher decidida, trabalhadora, aguerrida, e com uma resiliência impressionante, contrário de meu pai, era assim que eles se completavam. Quando a Olaria fechou, vivemos momentos de incerteza. Mas a união da família nos fortaleceu. Meu pai, com sua calma e sabedoria, nos guiou através da tempestade, mostrando-nos que juntos poderíamos superar qualquer obstáculo. Você foi um pai, paciente, tranquilo, gentil, fiel, leal, bondoso, amoroso, acolhedor e protetor.

Nesse período natalino me vem a mente uma das mais perfeitas lembranças de minha infância: em uma noite de Natal meu pai jogou brinquedos pela janela, aquele momento foi precioso que nos transportou para um mundo mágico, inesquecível até hoje, não sei quem estava mais feliz, eu e meus irmãos ou eles, meus pais por poderem nos proporcionar tanto encantamento.

Pai, esta foi a forma que encontrei de eternizar sua caminhada, assim posso manter vivo seu legado e homenagear aquele que sempre foi meu orgulho e herói.